domingo, maio 27, 2007

UM LINDO VÔO DE LIBERDADE

Havia várias laranjeiras e tinham funções diversas, mas a mais alta era o meu caminho para a liberdade . Ao chegar ao topo, depois de muito esforço pra espantar o medo e muita indecisão, eu me sentia desligada de tudo que me prendia àquele mundo restrito e cheio de proibições e era com se estivesse a quilômetros daquele chão. Nessa hora, respirava vitoriosa e plena de mim mesma. E me sentia liberta e dona do meu destino.
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Esta segunda-feira começou com um céu cinzento e jeito de inverno. E com uns silêncios evocadores de coisas de não lembrar. Da hora de acordar a hora de sair de minha cama , já percorri minhas habituais trilhas que me levam a muitos lugares e a poucas perspectivas. Assim como um ator em seu cenário de papelão, onde ele sabe que aquela árvore lá no fundo não existe de verdade, é só uma idéia de árvore. E que aquele caminho florido, com um lindo lago fazendo a curva, termina em um espaço escuro, com cheiro de mofo e teias de aranha, em um prédio qualquer.. Havia um placo na minha vida, quando eu era outra pessoa e ia tocar piano e ficava assustada com aquelas folhagens de tecido de um verde desbotado, com uns anjinhos amarelecidos e apáticos, que lá estava já há muitos anos, esquecido por todos e ali permanecendo como parte de um passado que ninguém sentia necessidade de apagar. E eu, meio assustada nos meus nove anos de criança , encontrava ali meu segundo despertar para o mundo que até pouco tempo se resumira a uma grande e velha casa, cheia de portas, um belo arvoredo, meu pai, minha mãe, meus avós e a idéia de que tudo era muito longe , lá de onde às vezes surgiam pessoas muito bem vestidas, parentes da cidade grande, que nos esmagavam com sua superioridade, suas lindas roupas e eram quase aquelas figuras dos filmes de sábado à noite, ou das matinês de domingo à tarde.O primeiro contato com o mundo fora a ida à escola. E eu queria muito aprender a ler, e por mais que tivesse esquadrinhado os escritos do Correio do Povo, que às vezes meu pai comprava aos domingos, não conseguira decifrar como é que aquele milagre se engendrava.Voltei ao escuro palco. Um cheiro de umidade e mofo paira no ar e eu me sinto dominada por este espaço enorme, um salão que termina em dois palcos , um em cada ponta. Por que dois? Uma semibreve vale quatro tempos, a mínima, dois, e as teclas eram lisas e amareladas, e eu amava estar ali, diante daquele piano que era um instrumento musical, mas que eu adivinhava seria também o instrumento pelo qual eu sairia em vôo magnífico daquele chão embarrado de nosso quintal, das proibições de minha mãe, olharia o arvoredo lá de cima, conheceria lugares antes só vislumbrados ao subir na mais alta árvore de onde eu perscrutava os mistérios da vila, as casas do centro, tanta coisa a conhecer . Seria tão bom estar de novo no alto daquela árvore, a mais alta laranjeira de ver bem longe, seria bom...Você tinha sua pedra e eu, de repente lembrei da minha velha árvore na qual eu subia com muito medo de cair (cuidado, não vá cair daí de cima), um medo que me ensinaram e que eu, sempre muito obediente, fiz questão de aprender. Daria tudo para poder estar lá novamente e agora então, eu subiria e olharia novamente as casas lá do centro da vila, respiraria como criança aqueles ares, a plenos pulmões,sentindo-me dona do meu destino e talvez me jogasse lá de cima, um lindo vôo de liberdade, e matasse pra sempre o temor de estar viva, o temor de ser feliz, o temor de dizer não ao que me sufoca aos poucos. Seria bom...

EU. . . EXISTO !!!

Você, ao nascer, já recebe um número na pulseirinha. Pelo menos era assim no tempo em que lembro de bebês em hospitais. Aí então vem a certidão de nascimento, com um novo número cheio de algarismos. Toda sua história será marcada por esses sinais . Você provavelmente não sabe todos de cor. Há pessoas que decoram os mais importantes : RG, CPF, Conta Bancária. . . Você, gostando ou não, é um zero vírgula zero, zero ,zero e alguma coisa muitos zeros depois, nos cálculos estatísticos. Quando se aproximam os feriadões, lá vêm os noticiários falando de que no ano anterior morreram vinte ou trinta nas estradas, tantos carros bateram, tudo isso só pra avisar que neste que se aproxima a polícia rodoviária estará tomando tais precauções, que os motoristas devem fazer aquilo que todos sabem , mas muitos não cumprem e, de certa forma, anunciando o próximo espetáculo macabro das estradas. Sem falar nos rotineiros assaltos e sequestros. Tudo que a fria estatístca pode prever baseada em dados que manipula como mágica e que são bastante precisos, veja-se o caso das pesquisas de opinião.Além de tomar os cuidados necessários, você só pode rezar para que sua vez de engrossar as fileiras de tal senhora não chegue tão cedo. No mais é seguir em frente e ficar frio.Já nascemos predestinados pela herança genética, pela condição social de nossos pais e, a partir daí, podemos ser enquadrados em tabelas e mais tabelas, de cálculo da nossa situação em relação a uma possível obesidade, dos parâmetros da psicologia onde estaremos catalogados como tipos específicos quanto ao nosso perfil psicológico e agora, com os avanços da engenharia genética, as criaturas humanas, de certa forma, vão poder dar uma rasteira na Dona Natureza, pela manipulação dos nossos cromossomas com objetivos pretensamente positivos.Mas, conhecendo a racinha que nosso amado Deus plantou, confesso que estou um tanto pé atrás com tudo isso. Falando em Deus, o pobre virou artigo de marketing religioso. O grande mercado da fé , de tanto abusar e usar seu santo nome, está começando a criar um tal desgaste no Divino Criador que minha vizinha ontem, ao saber que a UNIVERSAL comprou a TV GUAÍBA, o último reduto dos gaúchos onde a gente podia "ouvir" um pouco o gauchês, gritou desesperada:- Assim não dá mais, eu to ficando com raiva de Deus!! Comprar a nossa TV Guaíba!!!Sinal dos tempos, ou será desgaste mesmo? E onde andará aquele Deus da minha infância, distante, superior, discreto? Vai ver cedeu seus direitos a uma multinacional...Se bobear, foi mesmo pras profundas do infinito deixando aqui um clone diabólico.Como eu dizia, estamos mais enquadrados que aquarela pequena naquelas molduras avantajadas. Aí moramos num local numerado, nosso espaço foi medido e calculado milimétricamente pelo engenheiro, nossos pés de bicho com sapatos, ou tênis, ou chinelos devidamente numerados, muito cimento por baixo , por cima e pelos lados, resultado de montanhas de cálculos de engenharia e arquitetura . E lá de dentro o pobre do bicho gritando por liberdade, por espaço, por movimento. Há os que conseguem gastar 15 milhões na compra de uma jaula de luxo, com três andares de solidão. Casas inteligentes, além de todo o conforto estéril. Você, lá de longe, programa sua casa como a quer encontrar: quais luzes estarão acesas, a água na banheira, na altura e temperatura desejadas, o ar condicionado no ponto, elevadores internos para não subir escadas. As portas que se abrem mediante senhas farão o cidadão adentrar ao seu lar apertando botões, passando cartões magnéticos, tudo em conformidade com o que melhor existe no mundo de hoje. Mas não há tecnologia capaz de substituir o gosto de ouvir a água caindo na banheira ou do chuveiro, após girarmos as torneiras quente e fria procurando a melhor temperatura. Nada melhor do que usar um pouco as mãos em texturas diversas, interruptores, trincos, botões de aparelhos.E aquelas medidas aproximadas, mas bem mais poéticas, como os PALMOS de fundura das sepulturas, as LÉGUAS DE BEIÇO,uma forma divertida de dizer que o gauchão, ao dar uma informação, ESPICHAVA os lábios pra frente e levantava o queixo em uma direção dizendo: É LÃÃÃÃN ! E também poderíamos dar DOIS PASSOS ou TRÊS, colher uma PENCA de frutas, uma BRAÇADA de flores, semear um PUNHADO de grãos, trazer uma FIEIRA de peixes e enfim, dar DOIS DEDOS de prosa...Entretanto, você não existe sem os números que o identificam. O único resquício humano nos documentos são as fotos e o polegar direito carimbado na sua RG. Certa vez, estando a recenseadora em nossa casa, meu filho então com onze anos correu atrás dela julgando que não teria sido incluído na contagem. Achamos muita graça, mas por essas coisas pode-se avaliar que a questão não é simples . Ele era um menino que levava tudo muito a sério e não constar nos números do Censo parecia-lhe algo ameaçador e perigoso, como o de sentir-se destituído de existência real. E, mesmo não sendo o caso, ele estava com a razão. Não se pode andar sem uma identificação por aí. Como diz o comercial, sem o registro de nascimento, "você não existe". Assim, poderíamos partir para uma divagação filosófica sobre a nossa real presença no universo e criaríamos a seguinte variação para a frase de Hamlet: EXISTIR, OU NÃO EXISTIR, EIS A CERTIDÃO !!!

sábado, maio 26, 2007

HUMANIDADE PRESERVADA

Cartas! E ainda se escrevem tantas! E lá se vão os envelopes devidamente preenchidos no rumo do destinatário. Nesse vai e vem de mensagens, muita coisa desviou-se , outras caíram em mão erradas e nunca foram entregues, outras ficaram ignoradas na caixa de correspondência e nem sequer foram abertas.Em outros tempos as cidades pequenas nem tinham carteiro, precisava-se ir à agência saber de uma possível missiva. Chegar lá e sair de mãos vazias era uma frustração na minha vida de menina que vivia a escrever e estava sempre contando com ter nas mãos um envelope branquinho. Abrir devagarinho para não destruir o conteúdo e então saber novidades de uma amiga que se mudara há pouco para longe, podia ser um assunto para preencher dias de entretenimento recriando as frases e imaginando muito além do que fora dito. Mas as cartas que interessavam eram as dos rapazes. Elas podiam ser de um namorado,de um correspondente que se conseguia com uma amiga, mas especialmente, de uma grande paixão.Há alguns anos atrás, quando minha mãe faleceu, eu não quis pegar uma caixa onde ela guardara muitas cartas de um período feliz de minha juventude. Depois, até pensei que tinham jogado no lixo. Há pouco tempo fiquei sabendo que uma de minhas sobrinhas, ao ver aquele verdadeiro "acervo" de um tempo em que ela não era nem nascida, ficara encantada com o fato e dissera que de jeito nenhum isso iria ser destruído. Fiquei a pensar por que essa menina resolveu salvar minha correspondência de trinta anos atrás. O que a levou a querer preservar registros de um passado pra ela longínquo da vida de uma mulher que não quis, ela própria, conservar tal preciosidade? Isso me fez refletir e lembrei que outro dia um senhor que administra o pequeno museu da cidade falou-me que muitos adolescentes fazem visitas frequentemente. Um dado interessante que, associado a este outro fato, talvez queira nos indicar que essas crianças e jovens quem sabe estejam à procura de referências mais ricas, pois nasceram num mundo acelerado, onde muita tecnologia não anda no mesmo compasso da valorização da vida. O que buscam nas velhas caixas de cartas antigas, na calma dos museus que acenam com tempos mais tranquilos? Na certa saber coisas de quando os avós moravam nas casas com os netos, ver aquele velho rádio, uma grande caixa de madeira que na sua simplicidade falava de divertimentos quase ingênuos, com as vozes de locutores para falar das coisas distantes num mundo que era vasto e pouco conhecido, sem as complicações da vida moderna. Ou aquela sombrinha cuja dona já morreu há anos e que ainda guarda no tecido sem cor alguma vibração de uma tarde alegre. Mas principalmente sentir que suas vidas estão ligadas a um outro tempo, que eles não surgiram de uma máquina ultra- moderna, que afinal sua humanidade está preservada naquela velha casa, com todos aqueles indícios de que a cidade não apareceu de repente, que teve uma lenta história da qual as lembranças resistem em velhos baús, caixas com guardados de toda espécie, fragmentos da presença humana nas mais variadas formas. Os meninos precisam disso, precisam saber e mais , precisam sentir essa ligação com o passado, para estabelecerem um caminho seguro daqui pra frente ,sem lacunas e sentindo-se acompanhados pelas presenças que sentimos, por todo lado nos observando, quando andamos pelos museus. Uns olhos bondosos, curiosos, contemplativos, você nunca sentiu?

AFINAL, QUEM SOMOS NÓS OS TUPINIQUINS?

Os tupiniquins e os tupinambás eram os primitivos habitantes na região central do país, onde aportaram os portugueses pela primeira vez. Hoje eles não são muito lembrados , apesar de a língua tupi ainda estar presente mais do que muita gente tenha conhecimento, no idioma português. Infelizmente, dentro de uma visão racista em relação aos índios,adotou-se o epíteto tupiniquim, para designar o que há lá fora e que, transposto para nossa realidade, sofre uma espécie de mutação para pior. Passamos assim, a ter atitude depreciativa de dominados,em relação à nossas características particulares, em uma atitude depreciativa de quem só valoriza o que vem de países ricos.Desde que o mundo é mundo ,sempre houve houve opressores e oprimidos. Nem as maneiras de estabelecer esse domínio mudaram tanto. Assim fizeram os romanos em relação à Grécia e os portugueses, no momento em que começaram a explorar as riquezas do país, a partir de 1700. A receita é a mesma: impõe-se a língua do vencedor e a partir daí passa-se a um trabalho de desaculturação para facilitar o domínio. Em nosso país, enquanto não havia aqui interesse comercial, falou-se a língua tupi. Mesmo o padre Manoel da Nóbrega, falava fluentemente essa língua. No início do século XVIII, com o incremento da exploração de minérios, pedras preciosas e outras riquezas Portugal exportou para cá seus escrivães e outros funcionários encarregados da coleta e exportação dos produtos.Estes falavam e, principalmente, escreviam o português. Assim, aos poucos, a língua indígena foi se recolhendo para sítios mais restritos.Quanto a nós hoje em dia, não escapamos ao individualismos doentio e selvagem resultante de uma visão capitalista numa sociedade onde os valores estão se degradando e onde tudo passa a ser permitido desde que gere lucros. O que vemos no mundo é essa febre de fazer dinheiro com dinheiro, grandes empresas como a Nike engolindo outras também grandes, numa antropofagia assustadora que põe na tela arrepiantes previsões dignas da mais audaciosa ficção científica. E, nesse contexto, a sociedade brasileira assiste à barbárie se instaurando em todos os seus níveis: são meninos ricos matando gratuitamente aquele que eles NÃO consideram um igual, como o índio Galdino, morto há alguns anos atrás, e isso está totalmente relacionado à visão de mundo de quem está em posição privilegiada. São meninos pobres virando bandidos capazes de qualquer coisa pois também respiram esses novos ares, com a agravante de se sentirem totalmente marginalizados e a tevê dizer todos os dias em lindos comerciais que se você não tiver isto ou aquilo, não será ninguém. Por que a Índia, com muito mais pobreza do que o Brasil, tem bem menor índice de violência?Recebi na época da campanha eleitoral um email, onde um professor da USP deu-se ao trabalho de achincalhar o atual presidente com argumentações no mínimo impróprias para um catedrático de tão alto gabarito. Não creio que ataques preconceituosos contra a condição social de uma pessoa, sua raça ou seu defeito físico, sejam a melhor maneira de provar que um candidato é ruim. Entre outras coisas, disse que Lula é o Forest Gump TUPINIQUIM e faz sucesso lá fora como raridade, tal qual o mico- leão- dourado. Então comete RACISMO, depreciando a CULTURA INDÍGENA,ao usar a palavra TUPINIQUIM de forma pejorativa. Como aliás, vê-se muito por aí, "na versão tupiniquim..." de alguma coisa estrangeira logicamente muito superior. Que tipo de superioridade admiramos? Ou fomos condicionados a admirar por uma propaganda massiva e constante com o único fim de destruir os valores "tupiniquins"?Tenho no meu quarto um balaio feito pelos índios. Deixei –o num lugar bem visível e nunca esqueço daquela mulher de olhos puxados no meu portão com um menino num braço e o tal balaio no outro. Aquela gente jogada pelas calçadas um dia foi dona dessa terra e não precisava mendigar para viver. Nós ainda trazemos na língua que falamos a música e a ternura desses povos ancestrais. Eles são nossos verdadeiros pais. A eles devemos, se outra coisa não podemos dar, pelo menos um grande respeito. Xingar alguém de tupiniquim é rejeitar sua própria identidade cultural, suas origens, isso sim, é se auto-depreciar como povo .