sexta-feira, março 23, 2007

MEDIOCRIDADE ASSUMIDA

Amanhecer como todo o santo dia nestes últimos anos de minha vida, esquecer sempre a chaleira no fogo, perdida em uma leitura interessante, estar a mercê de minha intransigência e má vontade com aquilo que abomino, eis uma cilada diária que, oferecendo sempre o mesmo perigo, sendo já conhecidos seus malefícios, ainda assim, inadvertidamente, de forma masoquista quem sabe,me fas despencar no seu abismo sempre outra vez, tendo feito todos os bons propósitos na noite anterior. Estou a dar voltas e voltas pelas mesma trilhas, que de tão gastas já oferecem os sulcos das pisadas, bastando simplesmente colocar o pé nas marcas traiçoeiras. A noção de tempo decorrido se torna simplesmente impossível,estamos tontos e desamparados, estamos tristes, aborrecidos, e a morte é uma linha de chegada imaginária e cruel, entretanto a única certeza enquanto respiramos.O telefone toca, as cartas chegam, o sol aparece e desaparece, e março chega e dezembro vem e a rio se enche com as chuvas e baixa nos tempos de seca. O jornal na tv conta todos os dias a mesma história com novas e velhas personagens, a praça se enche na animação de um evento e amanhece vazia numa ressaca de brisa leve, algum papelziguezagueando semr rumo. Minhas mãos estão estranhas com a pele ressecada pelo tempo e parecem me olhar e pedir socorro. E eu não sei o que fazer com elas nesta manhã de céu tão azul e uma inutilidade desconcertante. O que valeria a pena ainda neste fim de festa? O que seria preciso pra preencer os dias e suportar as noites?Queremos a segurança de uma paisagem familiar que ampare nossa perplexidade. Ao diabo com a segurança, ao diabo com a cordialidade bestializante. Não quero esse medo que me afasta dos perigos e me paralisa os gestos. Ser generoso, cordato, deixa nossa alma em frangalhos de bondade. E são tão doces os laços firmes da tirania familiar. E são ao mesmo tempo tão cruéis na sua bondade catequisadora! Nossas melhores crenças não resistirão aos vislumbres da velhice. E a grandeza das almas nobres é um verniz que não sobreviverá a dois invernos de guerra e fome. Resta a verde e patética resignação. E as lembranças de mentiras possíveis. Resta o tempo pra gastar em passeios por trilhas circulares, resta a luz do dia, a sombra da noite, a cama, a dor, a fome, o tédio.

Nenhum comentário: